Capitalizando comportamentos da Sequência Predatória - Parte 2 - Procura e Investigação

Capitalizar nas atividades que são biologicamente satisfatórias para nossos cães pode ter inúmeras aplicações, desde brincadeiras e atividades de enriquecimento ambiental, até treinos específicos para trabalho e métodos variados de recompensa em treinos para cães pet. Na postagem de hoje vamos explorar algumas aplicações da fase um da sequência predatória: procura e investigação. Mas antes, vamos explorar um pouco quais são os benefícios de capitalizar esta etapa específica da sequência.

A primeira etapa da sequência predatória está muito ligada a atividades de exploração. Farejar, seguir trilhas de odor, investigar pequenos buracos, checar o que se pode encontrar atrás ou embaixo de objetos… Quase todos os cães praticam esse tipo de atividade por si só quando estão buscando algo pra fazer em casa: colam o focinho no chão, reviram os brinquedos, olham embaixo do sofá… E se não tem direcionamento correto, reviram o lixo, tiram sapatos do armário, tombam a cesta de roupa suja, abrem portas… Todos esses comportamentos podem ser evitados, se atividades mais apropriadas - que satisfazem as mesmas necessidades - forem oferecidas.

A maior parte dos comportamentos que cães pet apresentam, não são intrinsecamente problemáticos: eles são apenas expressões mal direcionadas de comportamentos naturais e necessários para um cão equilibrado e biologicamente satisfeito.

Uma das maiores armas que temos contra comportamentos que vemos como problemáticos, é entender a função por trás deles - entender porque o cão está expressando aquele comportamento e encontrar uma válvula de escape apropriada. Redirecionar comportamentos é muito mais fácil, ético e livre de estresse do que tentar suprimir ou eliminar comportamentos que são naturais e necessários para que o cão se mantenha saudável, tanto física quanto mentalmente.

Vamos então a alguns exemplos de atividades que podem ser oferecidas para satisfazer a necessidade de procura e investigação!

Parte 1: Enriquecimento Ambiental

O Enriquecimento ambiental consiste em uma série de procedimentos que modificam o ambiente físico ou social dos animais mantidos em cativeiro (ou ambiente doméstico), promovendo melhoria da qualidade de vida, através da satisfação de suas necessidades comportamentais naturais por meio de atividades equivalentes ou substitutas. Ou seja, quando oferecemos atividades que promovem satisfação biológica de comportamentos naturais, estamos promovendo enriquecimento ambiental: isso inclui uma infinidade de coisas, desde passeios em locais com natureza, até desafios mentais através de treino e alimentação em brinquedos quebra-cabeça. Mas nesse bloco vamos focar em atividades que satisfazem especificamente a necessidade de investigação, procura e exploração, que compõem a primeira etapa da sequência predatória.

Caixas de Farejar

Essa atividade é super fácil de fazer e pode ser uma ótima maneira de alimentar seu cão ou dar petiscos! Com uma caixa de qualquer material, espalhe objetos na caixa e jogue a ração, ou petiscos no fundo. Se você usar os brinquedos do seu cão ele vai precisar ignorá-los para procurar a comida no fundo, e além de usar o focinho para empurrar os objetos para fora do caminho: um comportamento muito natural para animais de forrageio. Uma habilidade mecânica e motora muito importante para o cachorro.

Bandejas de Farejar

Essa atividade é bem parecida com a anterior, mas o objetivo é mais focado no uso do olfato, a ideia aqui é usar formas de cupcake, caixas de ovo, ou embalagens de chocolate (depois de limpas) e espalhar a ração ou petiscos nos buracos, sem colocar comida em todos, pro cachorro praticar encontrar com a comida pelo cheiro. Cães têm uma visão de curta distância ruim, e quando algo está muito perto, ele é forçado a confiar mais no olfato que na visão, então não se preocupe em cobrir os buracos nas primeiras vezes. Mas quando estiver pronto para dificultar um pouco, você pode tapar os buracos com papel amassado, bolinhas de tênis e outros brinquedos e/ou objetos.

Piscina de Bolinhas Outra variação das atividades acima, que inclui também a experiência sensorial de andar por cima e em volta de objetos. O que pode ser uma boa substituição para caminhadas em grama alta, se precisar de uma atividade dentro de casa para estimular seu cão de caça e farejo! A brincadeira é a mesma: espalhar petiscos ou ração no fundo, e deixar o cão procurar entre as bolinhas, com a diferença de que aqui, o cão pode entrar na caixa ou bandeja e andar no meio dos objetos, que se movem enquanto ele anda. Adicionar esse elemento pode ajudar o cão a construir confiança e habilidade motora no uso das patas e focinho.

Tapete de Farejar

Um tapete feito de tiras grossas de tecido, que permite esconder grãos de ração ou petiscos, para o cão usar o focinho e mexer nas tiras, e encontrar a comida enterrada nas tramas. É possível comprar ou fazer, e é super portátil também! Uma ótima atividade para acalmar um cão agitado.

Jogar ração na grama

A versão natural do tapete, pode ser extremamente enriquecedora: jogar um punhado de ração na grama para que seu cão use o olfato para encontrar a comida estimula a produção de endorfinas e reproduz um comportamento primitivo de investigação e procura. Além disso, ainda tem o enriquecimento sensorial que vem dos cheiros naturais da terra e das plantas. Antes de fazer essa atividade verifique que a área de grama escolhida esteja livre de lixo, ou qualquer outro elemento potencialmente perigoso!

Ah! Mas isso não vai incentivar meu cachorro a fuçar tudo que vê pela frente procurando comida? Não! É só seguir uma ordem clara: peça que seu cão espere; pode ser sentado, deitado, em uma caminha, caixa de transporte ou cômodo (se seu cão não sabe esperar sob comando é só restringir ele fechando uma porta, colocando dentro de um cercadinho ou usando a guia) você então prepara a atividade, e usa sempre uma frase para indicar que aquela hora é a hora de pôr o focinho pra funcionar e achar comida! Eu uso “procura!” com o Haroldo em casa.

Supervisione a atividade e quando for hora de guardar os materiais, use uma frase ou palavra de fim, aqui em casa uso “pronto!” recolho a atividade e ele entende que acabou a janela de busca e procura por comida.

Parte 2: Brincadeiras e Jogos

Essas atividades são interativas: é preciso a participação ativa da metade humana do time para que ela ocorra. São sequências de comportamentos com regras, e uma ordem clara de acontecimentos. Ótimas para reforçar o vínculo entre humano e cão. Algumas brincadeiras que se encaixam nessa etapa são:

Esconde Esconde

O humano corre do cão e se esconde atrás do sofá, no canto de um quarto, atrás de uma porta… e o cão precisa encontrar. Esse exercício pode parecer bobo para nós, mas satisfaz a necessidade biológica de investigar e ir atrás de encontrar algo (ou nesse caso, alguém) Variações podem incluir: uma pessoa segurando o cão enquanto a outra se esconde, o cão esperar sob comando, ou em uma plataforma, como sua cama ou um tapete para esperar ser liberado… Pontos bônus se quando o cão te achar, você usar a oportunidade para dar a comida do dia pra ele como recompensa!

Debaixo da Coberta

A pessoa se esconde embaixo de uma coberta, cobertor ou lençol e agacha no chão, fazendo barulhos para instigar o cão a investigar, e dar a oportunidade para ele colocar o focinho por baixo da coberta, cheirar em volta, e por cima dela. Essa brincadeira também incentiva curiosidade e pode ajudar a construir confiança em cães mais incertos, além de ser muito divertida para todos os envolvidos!

Caça ao tesouro

Peça para alguém segurar seu cão, confie ele em outro cômodo ou em sua caixa de transporte, ou ainda, peça a ele uma posição como senta ou deita, ou mande ele para o Place. Saia pela casa para esconder a comida. Quando estiver certa de que escondeu o item em um nível de dificuldade que seu cão poderá ter sucesso em encontrar (comece bem fácil e vá dificultando aos poucos, rapidamente seu cão irá te surpreender com a sua capacidade de usar o focinho para encontrar o que procura!) Então, dê o sinal para que a pessoa o libere, use seu comando de liberação e veja ele colocar o olfato para trabalhar!

Uma nota sobre uma grande preocupação que muitas pessoas têm, e o grande motivo que muitos evitam fazer essa atividade: “Não vou estar ensinando meu cachorro a procurar o que não deve na minha casa?” Não!

Quando ritualizamos a brincadeira, ou seja, ela só acontece sob o mesmo conjunto de circunstâncias, seu cão será capaz de entender quando é hora de fuçar por aí: em qualquer outro momento isso não será apropriado.

Por isso mantenha uma sequência de acontecimentos consistente que irá indicar para o seu cão que a brincadeira está prestes a acontecer desde a primeira tentativa: convide ele pra brincar em voz alta! Eu digo “Haroldo, vamos procurar?” Em seguida, coloco ele em posição de esperar, seja no Place, na caixa de transporte, no tapete ou na cozinha, escondo o item ou comida, e digo a palavra de liberação. Se sempre seguir a mesma ordem, seu cão rapidamente aprenderá quando é a hora de fuçar por aí.

Da mesma forma, faça questão de ter um ritual consistente e claro para o final da brincadeira. Aqui em casa, quando qualquer brincadeira acaba eu digo: “pronto!” guardo os itens e vou fazer outra coisa, que não envolve meu cão. Ele entende que essa é sua deixa para ir relaxar ou fazer algo sozinho.

Detetive

Cadê… petisco, o brinquedo, o sapato? Essa brincadeira é uma evolução da brincadeira anterior, porque é um pouco mais difícil. Nessa versão, você quer que seu cão encontre um objeto específico para aí sim ganhar sua recompensa, ao invés de achar a comida em si escondida pela casa. O resumão do treino seria: ensinar o nome do objeto, ensinar um sinal que ele foi encontrado, como por exemplo, sentar, colocar a diferentes distâncias do cão e gradualmente esconder, aumentando aos poucos a dificuldade. Precisa de bem mais treino pra jogar esse jogo, mas se você quer fortalecer o vínculo com seu cão, e aumentar ainda mais a obediência que faz uso de atividades bio-satisfatórias, vale a pena pesquisar sobre como fazer! Especialmente se você tem um cão que é particularmente interessado nessa etapa da sequência predatória!

Parte 3: Recompensa e Reforço em treinos

Essa etapa da sequência predatória pode ser muito bem adaptada para ser usada como recompensa na hora de treinos também! Especialmente durante os passeios, com grande chance de sucesso se incorporado a treinos para controle de reatividade. Ter acesso ao ambiente e poder farejar, explorar e investigar é um reforço poderoso para quase todos os cães, e dispensa a necessidade de necessariamente carregar petiscos com você toda vez que você sai pela porta!

Um exemplo de uso da atividade de investigar/ explorar/ farejar em treinos na rua pode ser manter seu cão andando ao lado até atravessar a rua, e quando chegar a um canteiro, pedir contato visual. Como recompensa, use uma frase ou palavra de liberação para ele ter acesso a farejar a grama. Com o Haroldo eu uso “vai cheirar!”

Quando ele foca em mim, quando senta atrás das minhas pernas para outro cão passar, ou ignora um cão latindo ou gato correndo, eu uso “vai cheirar!” como recompensa!

Para incorporar uma atividade bio-satisfatória que capitaliza nesta primeira etapa da sequência predatória, pode-se fazer o que chamamos aqui nos Estados Unidos de “treat scatter”ou “chuva de petiscos”. Quando o cão reativo em questão estiver prestes a avistar um gatilho (nunca durante ou depois de uma explosão) você pode jogar um punhado de ração ou petiscos no chão, para que ele coloque o focinho para trabalhar. Muitas vezes isso faz com que o cão ignore o gatilho! Lembrando que ele precisa estar longe o suficiente que não causaria uma explosão!

Parte 4: Esportes e Trabalho

Existem esportes inteiros montados em volta de atividades de farejamento, busca e investigação. Alguns deles são: Barn Hunting, NoseWork, Field Tracking, Odor Discrimination Trial. Todos focam nas habilidades olfativas, e desejo natural que os cães têm de explorar, investigar e farejar.

Só para matar a curiosidade, e te dar uma breve explicação sobre alguns dos esportes que você pode pesquisar e se quiser, tentar com seu cão, farei uma descrição rápida dos exemplos que mencionei acima:

No esporte de Barn Hunting (Caça no Celeiro) uma sala cheia de fardos de feno, simulando o ambiente de um celeiro é montada. Esse esporte simula uma função para qual várias raças foram desenvolvidas: encontrar ratos em um celeiro. Os ratos estão seguros: são mantidos em tubos com ventilação e gentilmente colocados em lugares escondidos no meio do feno. O condutor do cão não sabe onde eles estão, e não pode dar indicação gestual para seu cão durante a prova. O cão deve demonstrar desejo próprio de investigar cada cantinho da sala, sem a interferência, pedido ou insistência da pessoa. Quando encontra o rato, ele deve sinalizar para o condutor, e o juiz irá verificar. A prova é cronometrada e o objetivo é encontrar o rato (ou ratos) mais rápido que outros competidores.

Nose Work e Odor discrimination (trabalho de faro e discriminação de odores) são similares: no primeiro o cão deve identificar um cheiro específico dentre vários outros de uma coleção de amostras espalhadas pelo chão, no segundo, o cão em geral deve encontrar dentre vários, os artigos com o odor de seu dono.

Field Tracking é o esporte que permite que os cães exerçam sua função da maneira mais primitiva e autêntica: o cão deve encontrar e seguir uma trilha de odor em um campo aberto.

E devem existir outras aplicações ainda que eu sozinha não consigo pensar! Mas essas são as minhas sugestões para capitalizar a primeira etapa da sequência predatória canina.

Se você tem um cão que é especialmente interessado em atividades que podem ser classificadas como investigação, exploração, e farejamento, tente utilizar essas atividades no seu dia a dia para ter um cão mais satisfeito, e equilibrado! Se tem dúvidas sobre qual etapa/s da sequência predatória seu cão prefere, reveja a parte um desta série!