Conheça o Equipamento 01: Como funciona uma Coleira Eletrônica (E-Collar)?
- Haroldo Fala
- 21 de set. de 2021
- 23 min de leitura
Atualizado: 16 de nov. de 2022
O que motivou esse post foi uma campanha lançada por uma das maiores redes de pet shop americanas, a PETCO, chamada “Stop the Shock” (pare o choque), onde em uma carta aberta ao público, o CEO da empresa declarou que eles são contra o uso de aversivos, anunciando que iriam tirar as -coleiras de choque- das prateleiras. (aqui entre aspas, pois nesse contexto, coleiras de choque e coleiras eletrônicas estão sendo referidas como sendo a mesma coisa).
Bom, esse é o evento que me fez querer escrever essa postagem, então vamos ao que eu realmente vim falar aqui: Coleira de choque não é o mesmo que Coleira eletrônica (e-Collar).
Vamos desmentir esse mito desconstruindo um destaque de instagram -feito por uma pessoa bem intencionada, que acha que está alertando outros donos de cachorro contra um produto perigoso e adestradores pilantras… E eu entendo essa posição. Antes de deixar meu preconceito de lado, pesquisar, ler sobre e aprender como realmente essa ferramenta funciona e é aplicada em treinos, eu também era vocalmente contra seu uso. Arrisco dizer que meu sentimento contra esse produto era tão forte que cheguei a ser contra sua mera existência, como acredito que essa pessoa seja.
Mas também acredito que a melhor maneira de combater a ignorância e educar a pessoa leiga é criar textos como esse, que expliquem as coisas de maneira clara e objetiva, sem discursos emocionados que possam inflamar o ódio. Porque veja bem, não há nada de errado em não gostar, discordar e se recusar a usar uma ferramenta de auxílio de treino. Cada um está tentando dar ao seu cachorro o melhor que acredita, e não posso deixar de apoiar isso.
O que me incomoda nesse tipo de discurso, é a quantidade de afirmações incorretas sendo tratadas como verdades, e o infeliz fato de que se usa um tipo de linguagem que faz com que o leitor se enfureça de tal maneira que redireciona sua raiva ao inbox de pessoas que usam essas ferramentas, que assim como quem diz ser 100% positivo, só estão fazendo uso dos métodos, técnicas e equipamentos que acreditam ser o melhor para seus cães.
Bom, então depois desse pequeno disclaimer, vamos lá.
Primeiramente, acho desnecessário o uso de aspas neste caso: estes são realmente nomes usados para esse equipamento, não são eufemismos ou nomes sarcásticos.
Primeiro, vamos entender existem aqui dois tipos de produto, que tanto a PETCO, quanto essa pessoa estão considerando a mesma coisa. O primeiro tipo, são coleiras de choque e o segundo, são as coleiras eletrônicas.
Coleiras de choque, como as anti-latido, ou as usadas em conjunto com cercas invisíveis, essas sim, usam descargas elétricas que causam dor. Isso aqui é uma coleira de choque, e esse é o tipo de produto que a PETCO vendia. E estou aliviada de saber que donos leigos e desavisados não podem mais comprar esse item tão perigoso. Mas existe uma enorme diferença entre esse produto, e uma coleira eletrônica.
Clique aqui,para ver uma demonstração, e aqui, aqui e aqui também
Nesse video vemos um adestrador testando os níveis de estímulo da e-Collar do seu cachorro, na mão do seu filho de 7 anos. Ele aperta o botão de estímulos cada vez que sobe o nível, e pergunta ao filho se está sentindo alguma coisa (você pode ver a luz acendendo quando o estímulo está sendo usado). O menino começa a sentir alguma coisa no nível 18, e explica que é como um formigamento. Ele sobe até o nível 25 antes que ele diga que está incomodado de segurar a coleira, e para a demonstração no nível 35.
Coleiras eletrônicas (e-Collars) usam sim estímulos estáticos elétricos - a diferença aqui está no controle e na intensidade: choques causam dor, estímulos elétricos são usados em tratamentos de terapia para dissipar, evitar ou curar a dor. Essa tecnologia é chamada TENS: ela é sim elétrica, mas o controle de aplicação e intensidade á o que diferencia "choques" de "estímulos".
TENS é uma sigla que significa Transcutaneous electrical nerve stimulation, ou, neuro estimulação elétrica transcutânea (que se faz através da pele; que atravessa a pele). Ela faz parte de tratamentos utilizados na eletroterapia, uma técnica conhecida desde o século 16, e desde então aperfeiçoada para inúmeras aplicações na medicina moderna, em sua maioria, no alívio de dores. A tecnologia uasada nos estímulos elétricos de e-collars é a mesma usada para aliviar dores.
No TENS terapêutico, a estimulação elétrica é galvânica, e para isso é usado um pequeno dispositivo elétrico capaz de controlar a intensidade dos estímulos, permitindo que a corrente chegue aos músculos. A mesma tecnologia é usada em coleiras e-collar em forma de esática; galvanizar, no dicionário português está definido como:
4. Comunicar movimento aos músculos
5. [Figurado] Reanimar; dar vida a.
6. Excitar.
No caso de e-collars, ao invés de uma grande faixa cheia de eletrodos, ou vários adesivos com eletrodos, existem dois pequenos pontos de contato que precisam ser colocados em uma parte específica do pescoço do cão.
Imagem 1: demonstração de posicionamento incorreto de uma coleira eletrônica; Imagem 2: posicionamento correto.
Ressalto aqui que uma das maiores características do estímulo galvânico é o controle da intensidade do estímulo. Coleiras de choque tem poucos ou nenhuma diferenciação nos níveis de intensidade, e tem um péssimo tempo de resposta em relação ao controle remoto e seus pontos de contato que ficam até quentes ao toque com o uso.
Por isso é preciso fazer a distinção entre coleiras eletrônicas (com tecnologia TENS - que usam estática - tanto que podem ser submersas em água) com até 100 níveis de estímulo e coleiras de choque (que dão descargas elétricas e causaria elotrocutamento se em contato com a condução da água) e tem até 6 ou 8 níveis. Sempre que falamos de equipamento de treino de animais, é preciso buscar produtos de qualidade que sejam feitos com a mesma tecnologia e rigor que equipamentos médicos, e mais importante que isso, não categorizar esses produtos com os que costumam ser vendidos em pet shop. Uma coleira que tem 100 níveis, pode ter uma diferença extremamente sutil entre os níveis um e dois, já uma coleira com aénas 6, tem um salto enorme de intensidade entre os mesmos níveis.
Nas terapias, terapeutas podem escolher usar frequências mais altas ou mais baixas a depender da intensidade das dores, de sua natureza e do tipo de tratamento. Da mesma maneira no treino animal, cada caso e situação exige uma diferente frequência.
Saber o posicionamento correto da e-collar é muito importante. Se colocado de maneira imprópria - assim como um estimulador TENS médico- ela pode sim causar dor.
Por isso sempre repito: nenhum produto pode causar obediência por si só. A única coisa que ensina um cachorro é o treino. E todo treino exige conhecimento e prática. Claro que o Leonardo seu tio, pessoa leiga, que vai comprar uma coleira anti latido (ou seja, uma coleira de choque de má qualidade) na pet shop, que não sabe como parear uma ferramenta com treinos, nem que o produto que ele comprou não é o que diz ser, (frequentemente vendido como "treinador eletrônico") vai machucar e traumatizar o cachorro.
Produtos não treinam cachorros. Treino treina cachorros.
Já com frequências baixas (voltando as aplicações em terapia) os impulsos elétricos visam estimular o corpo a produzir mais endorfina, levando também ao alívio da dor. O mesmo estímulo, é usado pelas e-collars, apenas com objetivo diferente.
Aqui, uma breve lista de tratamentos que se beneficiam com o uso de TENS:
tendinite,
dores no pescoço,
reumatismo,
dor óssea ou nervosa,
entorses ou luxações,
dores pós operatórias,
lumbago,
dorsalgia,
ciática,
dores causadas pelo câncer.
Embora todas essas situações possam se beneficiar do uso de TENS, não são todos os pacientes que são submetidos a esse tratamento. E o mesmo vale para cães! Cada cão é um indivíduo, e devemos aplicar a cada cachorro o treino que melhor lhe serve.
E isso não significa então que esse equipamento não deva ser usado nunca em cachorro algum. A contra indicação ao uso vem da análise preliminar de comportamento e histórico de cada cachorro. Possíveis motivos para contra indicações podem incluir traumas passados, sensibilidade, necessidade, capacidade do treinador… entre outros.
Para uma descrição mais detalhada sobre como os estímulos elétricos galvânicos cortam as dores, clique aqui.
Esse tipo de tecnologia aliás, também é usada em terapia animal: os benefícios desse tipo de tratamento são aplicados em cavalos resgatados que trabalharam até a exaustão, cães com paralisia pós atropelamento, gatos com músculos danificados após ataques de cães… todos esses casos e inúmeros outros podem se beneficiar da eletroterapia com tecnologia TENS.
Mas existe grande resistência no uso da mesma tecnologia quando aplicada ao adestramento. O benefício do uso dessa tecnologia aplicada ao treino de animais, é a resposta rápida a distância entre o treinador e o cão, e a possibilidade de controle preciso da intensidade de estímulos de acordo com cada necessidade, situação e indivíduo.
Os parâmetros de aplicação de TENS são duração, frequência e intensidade. Em eletroterapia com seres humanos a frequência de pulsos fica entre 1 e 150 hz.
Mantendo isso em mente, vamos voltar ao destaque em questão. Primeiro vamos focar na afirmação incorreta de que o estímulo usado nas e-collars faz “sair uma corrente elétrica”.
Na aplicação de neuroestimulação elétrica transcutânea, não existe descarga por condutor, então não ocorre choque. Unidades TENS são estímulos contidos com alto nível de controle de intensidade, e a mesma tecnologia é usada na descarga estática das e-Collars. Quando pensamos em um choque ou em corrente elétrica pensamos em mexer num fio solto, ou colocar o dedo na tomada. O que é uma comparação por falsa equivalência.
Uma tomada normal de casa tem em média uma corrente de 60hz, que se descarregada na ponta do nosso dedo quando entramos em contato acidental causa dor; os parâmetros de aplicação de frequência para eletroterapia são de até 150 hz, bem mais que a tomada.
Então porque TENs e e-Collars (que usam estática) não dão choque como a tomada? Lembra-se quando enfatizei a importância do posicionamento correto e o controle de intensidade? Isso faz com que esse tipo de comparação -do TENs com choques- seja desonesta: não faz sentido afirmar que são a mesma coisa, não mais do que afirmar que bicicletas e motos são iguais porque tem duas rodas.
Nesta mesma linha de pensamento, poderia-se argumentar que é desumano o uso de marca-passos em pacientes com arritmia cardíaca, fazendo uma comparação vaga com baterias de carro. Os dois funcionam com corrente elétrica não? Mas é óbvio que comparar um marca-passos com uma bateria de carro não faz sentido.
A força da corrente, ou frequência não é o problema: o choque na tomada dói porque não é aplicado de maneira controlada, nem com equipamento desenvolvido para esse propósito, além do contato durar muito mais do que qualquer aplicação elétrica terapêutica.
Espero que até agora esteja bem claro que aplicações de estímulos elétricos galvânicos, feita com equipamentos projetados para esse objetivo, que tem controle e precisão, não são a mesma coisa que um choque, apenas porque os dois são elétricos.
Agora, vamos falar sobre a outra afirmação incorreta nesse story. Dar um choque no cachorro toda vez que ele faz algo que você não gosta não é técnica de adestramento. Nenhuma pessoa que se dá o título de adestrador deveria usar isso como técnica, não só porque é realmente absurdo pensar que isso ensinaria qualquer coisa, mas porque esse tipo de aplicação é extremamente comum justamente entre pessoas leigas que compram as tais coleiras anti-latido.
Uma pessoa que tem um cachorro que não para de latir em casa, que for na pet shop comprar uma coleira de choque, provavelmente vai fazer isso mesmo: apertar o botão toda vez que o cachorro latir na esperança que a coleira ensine ele a ficar quieto (ou usar coleiras qeu se acionam sozinhas com o som do latido). Mas nenhuma adestrador que se preze deveria indicar esse tipo de uso - de equipamento algum.
Castigar o animal toda vez que ele fizer algo que você desgosta não é treino, adestramento ou mesmo ensinamento. É abuso. E os bons profissionais sabem disso.
Novamente gostaria de apontar que o problema aqui é uso de produtos de má qualidade, e aplicação incorreta feita por pessoas leigas, que é muito diferente de uma e-collar de qualidade sendo usada por um treinador experiente, que sabe o que está fazendo. Olhar para o primeiro cenário onde uma ferramenta monstruosa, cruel e ineficiente é usada por uma pessoa leiga, e aplicar o mesmo julgamento de valor ao segundo cenário, é além de injusto, quase deliberadamente ignorante.
Acho que já deixei claro que usar uma coleira de choque, e uma coleira eletrônica, são diferentes, então aqui, vou responder assumindo que a pessoa está falando do uso indevido de uma e-collar de qualidade. Sim, tem razão: sair usando o botão de estímulo, sem condicionamento, sem treino, sem discriminação, toda vez que o cachorro fizer algo que você não goste não ensina nada, porque o cachorro não sabe o que o estímulo significa, nem o que é esperado dele, nem o porque e de onde vem essa sensaçãoele está apenas sendo castigado sem entender nada, e isso pode facilmetne levar a aprendizados supersticiosos, aumento de agressão, desamparo aprendido, ansiedade, medo crônico etc.
Mas novamente o problema é falta de capacidade do usuário em entender no que consiste treinar um animal, não o equipamento. Uma pessoa que compra uma coleira lisa de nylon e arrasta seu cachorro pelo pescoço pra cima e pra baixo também pode causar muito mal ao cachorro, e isso não quer dizer que coleiras lisas de nylon são ferramentas intrinsecamente cruéis e terríveis.
Treinar um animal deve consistir principalmente em ensinar o que é esperado dele (reforço positivo, punição negativa e reforço negativo são ótimos princípios de aprendizado a serem aplicados para esse fim - segundo LIMA, necessariamente nesta ordem) e corrigir e redirecionar quando ele estiver confuso sobre o que fazer, dando sempre orientação para que ele faça as escolhas certas para se comportar de acordo com o que queremos dele em cada situação. Até mesmo uma peitoral pode causar danos físicos emocionais e psicológicos no cachorro se usado dessa maneira, especialmente por alguém que não sabe treinar um animal.
O que está descrito no story, é um exemplo de generalização supersticiosa por aplicação incorreta de correção (falarei mais sobre isso em uma postagem futura) que é realmente muito comum em uso de punição positiva. Por isso vou repetir mais uma vez: nenhum produto treina um cachorro por si só. De fato, se ele não tiver instrução alguma sobre o que é esperado, o que o estímulo significa e ao que ele está associado, a e-collar é inútil. Mas isso é verdade para uma guia, uma coleira lisa, e para uma peitoral... assim como qualquer outro equipamento.
Sim, existem muitas instâncias em que o uso impróprio de qualquer produto/ equipamento/ ferramenta pode dar errado e ter resultados desastrosos. E isso no caso de e-collars é ou culpa do produto de má qualidade ou falta de prática/ conhecimento da pessoa que está usando. E sim, antes de aplicar qualquer tipo de treinamento, é necessário fazer uma avaliação do animal, entender as causas dos comportamentos que se busca modificar. E adestrador algum devria começar um treino sem antes fazer isso (além de consultas veterinérias, análises de contexto, manipulação do ambiente etc), então de novo, tenho a impressão que o problema aqui é a pessoa leiga, não a ferramenta. Reforço positivo também será inútil sem que se seguisse esse protocolo básico pré treinamento.
Gostaria de inserir aqui, uma breve descrição simplificada de como um treinador que sabe o que faz, poderia usar uma e-collar em contexto de treino canino. Vimos que uma pessoa leiga, que acredita que produtos podem resolver problemas de comportamento indesejado simplesmente vai lá e compra um produto que faz promessas milagrosas de modificação de comportamento automático, e no caso de coleiras anti-latido por exemplo, vão lá e seguem a instrução da embalagem: apertando o botão quando o cachorro late. Isso é apenas castigar, e não ensina nada.
Mas então, como se usa uma coleira eletrônica para ensinar? Como se parece um treino com essa ferramenta?
Primeiramente a e-collar (na minha opinião) não deveria ser usada como castigo, nem correção. E apesar de existirem pessoas e adestradores que usam dessa maneira, não acho que por exemplo, banir o produto seja a melhor maneira de mudar isso - acredito que um caminho possível seria tirar das prateleiras de pet shop e só vender em lojas especializadas, onde pessoas credenciadas poderiam obter a ferramenta (como acontecem em alguns países pelo mundo). Ainda não tenho uma opinião formada sobre qual a melhor maneira de assegurar uso correto e por pessoas instruídas... então essa discussão fica pra outra postagem.
A e-Collar é apenas uma ferramenta de comunicação entre o treinador e o cachorro. Acredito que a melhor e principal aplicação da e-Collar deve ser interrupção e redirecionamento. Então vamos criar um exemplo fictício para contrastar com o exemplo do destaque. Vamos chamar o cachorro do destaque (que recebe estímulos elétricos toda vez que desagrada seu dono) de Thor e o cachorro do nosso exemplo abaixo descrito de Florida.
Esse será um exemplo simplificado de uma aplicação prática do uso de e-collar na interrupção e redirecionamento de fixação obsessiva em pequenos animais advinda de instinto predatório em cães de caça, como um salsicha (dachshund).
Neste cenário fictício, digamos que esses cachorros tem o seguinte comportamento que queremos modificar: toda vez que vão passear no parque e vêm esquilos, eles apresentam olhar fixo e atenção obsessiva. Esse comportamento as vezes escala para uma disparada súbita em direção ao roedor, que no caso de um salsicha, pode ser especialmente perigoso, pois não importa o que estiver usando para passeios (coleira lisa, prong, peitoral anti puxão etc) um tranco forte pode causar sérias lesões na coluna.
Thor, o salsicha castanho não passará por nenhum treinamento, e Flórida a salsicha preta vai passar por esse plano de treino:
Primeiramente como todo treino que envolve qualquer equipamento auxiliar, precisamos começar buscando a função do comportamento. Florida é um cão com alto instinto de caa, e a função do comportamento de encarar e fixar, é obter visual claro da presa. Mas, não podemos deixar que ela saia matando esquilos na praça, então precisamos modificar esse comportamento.
Podemos começar ensinando ao cão o que é esperado dela. Ao invés de uma disparada súbita, o que queremos que ela faça na presença de um esquilo é ter uma resposta calma e controlada. Ela pode olhar para o esquilo, mas queremos eliminar o impulso obsessivo de correr atrás dele, para evitar lesões ao cão e ao dono (que digamos, tem um ombro ruim).
E para isso precisamos interromper o olhar fixo- que é o primeiro passo na escala de comportamentos que leva ao puxão que pode ser perigoso. - essa é a parte de pré treino, onde analisamos o comportamento, e decidimos qual comportamento deve ser modificado.
Queremos então que Florida veja o esquilo, e seja capaz de desviar o olhar, e continuar o passeio sem travar, sem olhar fixamente e sem disparar em direção ao roedor. podemos inclusive adicionar um novo comportamento, mais apropriado, e pedir que ela redirecione sua energia de caça para outra atividade, que não puxar a guia, atrás do esquilo.
Estabelecido o que queremos da cachorra, precisamos ensinar ela a apresentar a resposta que queremos. Podemos utilizar um clicker e petiscos com reforço positivo nessa primeira etapa. O objetivo é ensiná-la a olhar para o dono em busca de instrução, para que ele possa redirecionar seu comportamento na hora que o esquilo estiver presente.
Podemos começar apresentando um brinquedo ou uma comida de baixo valor, e esperando contato visual da Flórida antes de liberar ela para brincar ou comer. Quando ela desvia o olhar e nos dá contato visual, clicamos, damos petisco e repetimos quantas vezes forem necessárias até que a resposta que buscamos seja oferecida e quase automética. Depois de estabelecer essa conexão - preciso fazer contato visual para ser liberada a brincar/comer- podemos passar para a próxima etapa, que é adicionar um comando para esse comportamento - dar um nome a essa ação.
A ideia é usar esse comando para replicar o comportamento de contato visual quando quisermos eventualmente usa-lo na hora do passeio. Como o objetivo desse comando, usado na situação problema será de interrupção, podemos usar a palavra “EI” que é uma interjeição bem natural de interrupção para muita gente, para pedir atenção. Assim como na etapa 1 faremos repetições até que a cachorra ofereça contato visual sob comando. (ao ouvri a palavra escolhida)
Depois que o cão estiver respondendo ao comando consistentemente, podemos adicionar o comportamento alternativo: uma rápida partida de cabo-de guerra por exemplo. Que capitaliza nos instintos de caça, e faz uso do mesmo comportamentoe que o cao estava buscando indo atrás do esquilo: matar (bom, no caso, como usaremos um brinquedo, a simulação disso).
Quando a cadelinha Florida oferecer o contato visual depois de ouvir a palavra d ecomando, vamos introduzir um brinquedo de corda, e incentiva-la a atacar o brinquedo. Novamente, repetiremos até que toda a sequência: olhar para algo que interesa + desviar o olhar e oferecer contato visual para o dono + atacar o brinquedo oferecido, sejam respostas naturais a ela.
Até agora, todos esses treinos foram feitos dentro de casa, e gradualmente podemos treinar a mesma coisa do lado de fora, sem muitas distrações, e ir aumentando a distância de casa e as distrações. Nesse caso como estamos lidando com uma cachorra de caça, que apresenta o comportamento "problema" durante passeios ao fixar na presa, precisamos de uma maneira rápida de chamar sua atenção, quando ela estiver extremamente fixada. E é aí que entra a e-Collar.
Depois de ensinar o que você quer da cachorra, depois dela associar esse comportamento a um comando, depois dela saber um comportamento alternativo mais apropriado, ai sim se introduz a coleira eletrônica. Porque usar qualquer equipamento no seu cachorro sem passar por uma introdução -além de aumentar exponencialmente a chance de ele não auxiliar no treino, porque não tem significado algum para o cachorro- pode causar traumas relacionados ao produto (e isso pode acontecer com coleiras, guias, peitorais, qualquer coisa)
Ok. Primeiramente precisamos nos certificar que o tamanho e posicionamento da e-collar estão adequados. Na primeira vez, o animal usa a coleira sem estímulo algum, até que se acostume a usá-la. Nas próximas sessões de treino precisamos descobrir qual o nível de intensidade que usaremos com esse cachorro específico.
Para isso se começa do nível zero, sempre. Não importa o tamanho do cachorro, a raça, o peso, sempre se começa do nível zero. E como sabemos qual nível usar? Para esse teste, precisamos que o cachorro esteja usando a coleira eletrônica enquanto faz uma atividade que exige sua atenção, como roer um osso, um brinquedo. Aumentamos um nível de cada vez e acionamos o botão de estímulo até que cheguemos em um nível que cause a quebra da atenção na atividade em questão. Para muitos cachorros esse nível é o entre o 4 e o 9 (de 100)
Muito bem, o próximo passo será parear o estímulo com um significado: O comando “EI” e sua resposta ensinada. Nesse caso fictício que estamos lidando, o papel da e-collar será interromper a atenção obsessiva que o cachorro com instinto predador tem ao olhar fixamente para um animal que ele vê como presa.
Quando cachorros agem por instinto é muito difícil -as vezes quase impossível- desviar sua atenção. No caso que estou descrevendo, que é como eu faria a introdução da e-collar, tudo que o estímulo intramuscular faz é acordar esse cachorro do transe instintivo, para que ele volte a estar aberto para receber instruções do dono. Só isso.
É possível ensinar um cachorro só oferecendo petiscos? Alguns sim. Mas sempre vai depender: como já disse antes cada caso é único, e nesse caso específico, não existe recompensa que se possa oferecer ao cachorro na hora da fixação que seja melhor do que a adrenalina de perseguir um esquilo. Por isso a interrupção física do estado mental do cachorro.
Certo. Depois de estabelecido o problema (puxão), o que queremos que o cachorro faça ao invés do comportamento indesejado (quebra de atenção e contato visual + redirecionamento para brinquedo), como vamos pedir isso dela (comando “EI”) e o nível de intensidade necessário do estímulo para chamar a atenção do cachorro (digamos, nível 4) podemos começar a trabalhar tudo isso junto.
O próximo passo é usar distrações controladas (um bicho de pelúcia, uma pessoa passando, ou um petisco jogado por exemplo) para ensinar a Flórida qual a resposta esperada dela em situações similares: ao sentir o estímulo ela deve parar de prestar atenção na distração e oferecer contato visual ao humano que está com a guia.
Depois que o cachorro está consistentemente conseguindo executar a resposta que queremos dentro de uma situação controlada. Nesse caso, podemos começar a testar na situação real. Durante um passeio ficaremos atentos aos sinais do cão: aquilo que vai nos dizer se ela está prestes a apresentar fixação ou obsessão - sempre devemos redirecionar o comportamento antes que ele escale para uma reação perigosa (nesse caso, o puxão que pode lesionar a coluna).
O uso de uma e-collar na vida real, quando feita dessa maneira, com treino prévio, análise da causa de comportamento, aprendizado de comportamento alternativo e introdução apropriada e treino de prática... em contraste com o que foi sugerido que se faz com essa ferramenta seria mais ou menos assim:
O Thor e a Flórida, (os dois salsichas que disparam em direção a esquilos), estão passeando no parque. O dono do Thor, o Gabriel, comprou uma coleira eletrônica de qualidade na internet mas colocou no pescoço do cachorro pela primeira vez logo antes de ir ao parque. A dona da Flórida, a Danielle, também investiu em uma coleira eletrônica com tecnologia TENS mas pagou um adestrador, e ela e Flórida tem praticado o plano de treino descrito acima nas últimas semanas.
Quando avistam um esquilo no gramado, os dois cães param de andar e fixam o olhar no esquilo. Gabriel fica irritado que Thor travou, porque não entende o que esse sinal significa na escala do comportamento do seu próprio cachorro e puxa a peitoral tentando arrastar o cachorro pra ele continuar o passeio. Danielle estava atenta aos arredores e viu o esquilo, então ela sabe que esse é o primeiro sinal de que a Flórida pode sair em disparada.
Gabriel não vê o comportamento escalar, e quando Thor dá o tranco ele segura o botão, e sua coleira eletrônica que nunca foi regulada nem introduzida assusta o cachorro que agora está confuso e com dor, pois Gabriel simplesmente escolheu uma intensidade aleatória: 67; e Thor puxa ainda mais dispaando em todas as direções, sem saber o que está acontecendo.
Danielle assim que vê o olhar de Florida fixando, dá o comando “EI” sem sucesso, e então aperta rapidamente o botão de estímulo em nível 4, repetindo o comando. Sabendo o que é esperado dela depois de receber o estímulo que ela já conhece, Florida para de olhar pro esquilo e oferece contato visual para Danielle, que reforça o comportamento com um petisco, e a chama para andar na direção oposta, oferecendo o briquedo de corda que estava no bolso.
Gabriel agora acha que coleiras eletrônicas dão choque, e são uma porcaria, seu cachorro não aprendeu nada, e agora tem um pescoço dolorido, e uma ansiedade atrelada a presença de guarda-sois - já que tinha um ao lado quando ele recebeu o estímulo doloroso e por não ter tido direcionamento algum para a associaçao com a e-collar, ele criou uma associação supersticiosa com esse objeto, além de ainda ter o mesmo interesse em esquilos.
Enquanto isso, Flórida está aprendendo a ignorar seus impulsos instintivos e seguir instruções de Danielle. E logo, com prática contínua e repetições consistentes, Florida pode não precisar mais da e-collar em alguns meses.
Nesse caso nenhuma dessas duas pessoa usou uma coleira de choques, mas um dos resultados foi negativo. O modo como Gabriel agiu, é realmente problemático. Mas isso não significa que a Danielle é uma pessoa horrível por usar uma coleira eletrônica.
Esse é um uso bem comuns para a e-collar em cães pet: interrupção de comportamentos obsessivos. Isso pode ser aplicado a cães reativos, cães com instinto predador forte… qualquer cachorro que apresentar uma reação tão intensa que não dá a possibilidade de interrupção verbal, mesmo com histórico de reforço muito forte, pois o cachorro entra em um tipo de transe mental onde fica preso.
Claro, existem outras aplicações, técnicas e métodos: como usar o modo vibração contínua para ensinar consciência de espaço e Recall, ou como correção (que como já disse, não concordo...), para conseguir fazer treinos sem guia, e dar mais liberdade a cães surdos, ou cego-surdos... esse foi apenas um exemplo fictício simplificado. Mas essa história é muito comum, que pode ser ajudada com o uso da e-collar (sempre claro, com acompanhamento profissional e seguindo protocolos de análise, treino prévio etc)
Gostaria de clarificação sobre a afirmação que quem usa e-collar não entende a diferença entre sentimento e comportamento… eu mandei a pergunta a autora dos destaques mas não recebi resposta. Se for respondida, farei um update desse post.
Mas em qualquer caso, sim, sentimento e comportamento são de fato duas coisas distintas. Mas não vejo porque foi feita essa conexão, nem como isso é relevante para o argumento de que e-collars como ferramenta são ruins, visto que não se pode reforçar ou punir EMOÇÕES, apenas comportamentos...
Infelizmente não encontrei os compartilhamentos citados. Devem estar indisponíveis, caso tenham sido feitos em forma de stories.
Pelo que entendi, a pessoa quis deixar subentendido nesse story que adestradores que usam e-Collar enganam... como exatamente? Também pedi que a pessoa elaborasse sobre isso por uma mensagem privada, ainda sem resposta.
Na minha visão, quem engana são as pessoas que insistem em dizer que qualquer coisa que desvie do que concordam ou fariam pessoalmente, é automaticamente ruim, cruel e inaceitável. Especialmente quem espalha desinformação inflamatória que não serve para educar, mas para criar inimizades e julgamentos sem conhecimento ou embasamento para fazê-lo. As coisas não são sempre preto e brancas, 100% boas ou 100% ruins.
Aqui vou apenas pedir que releiam a parte que explica o funcionamento da tecnologia TENs. Qualquer equipamento usado sem treino e sem conhecimento pode ser prejudicial ao animal.
Nenhuma coleira eletrônica moderna tem qualquer ligação com equipamentos de abate, exceto que os dois usam pulsos elétricos... mas máquinas TENs pessoais para cólicas menstruais, e sua escova de dentes elétrica também usam pulsos elétricos… novamente uma falsa comparação.
As coleiras eletrônicas usadas em adestramento usam estática com tecnologia TENS baseada em eletroterapias (criada para tratar alívio de dor em seres humanos)… que assim como a máquina de abate, a escova de dentes, o taser e o computador, são elétricos - mas isso não quer dizer que sejam comparáveis em suas funções, instensidades ou aplicações.
Fazer uma comparação direta de uma máquina de abate suíno com tecnologia usada em equipamentos médicos e coleiras eletrônicas, não é apenas desonesto mas demonstra uma fundamental falta de entendimento sobre o funcionamento tanto da máquina de abate quanto de estática e a aplicação TENs em eletroterapia. É a mesma coisa que dizer que a única diferença entre uma bateria de carro e um marcapasso é a amperagem.
É mais provável que você encontre pessoas desinformadas que ou
A) usam um equipamento ruim
B) Não sabem usar; ou
C) Que são veementemente contra sem realmente saber como funciona.
Então sim, se você conhece alguém que usa, pergunte pra ela a marca, onde comprou, se está fazendo uso com acompanhamento profissional… mas também fale com seu amigo que é contra, e pergunte porque. Pergunte se ele sabe que a mesma tecnologia de uma e-collar é usada em eletroterapia no tratamento da dor, se ele sabe a diferença entre uma coleira de choque e o estímulo estático de uma eletrônica, se ele sabe como é o uso correto, se ele sabe qual o protocolo de treinos que é necessário para introduzir a ferramenta...
Eu, só recomendaria ou confiaria nas marcas:
e-Collar Technologies
Dogtra; e
Garmin
Pois já vi essas marcas em uso, e todas elas tem 100 níveis ou mais de intensidade, todas possuem a opção de vibração e tom (som) além do estímulo, todas têm controles e ajustes para maior refinamento e customização da ferramenta para cada indivíduo, e todas tem acessórios para ajuste e conforto. (pode ser que hajam outras, mas não conheço, por isso não citarei)
Como eu mencionei no começo do texto, antes de pesquisar sobre como uma coleira eletrônica realmente funciona, eu também era extremamente contra todo e qualquer uso. E eu mesma pessoalmente não uso e-Collar com o meu cachorro, mas sinto que é necessário quebrar esses mitos que envolvem certas ferramentas e seus usos em treino animal.
As pessoas se forem bem informadas podem escolher como treinar seus cães da forma que melhor funciona para cada um, e conforme sua necessidade. Um cão militar, um cão guia, um cachorro de resgate, policial, um cachorro doméstico que mora com uma família: todos necessitam e podem usar um leque de diferentes métodos, técnicas e ferramentas de auxílio de adestramento, cada um para um fim, com exigências diferentes.
Esse preconceito com equipamentos que as pessoas baseiam em mitos precisa acabar. Precisamos começar a ter conversas sobre usar ou não um produto, com base nos fatos de cada lado da discussão.
Qualquer um pode ainda assim discordar ou mesmo ser contra o uso, mas sem ficar espalhando mentiras sobre o funcionamento, função, ou aplicação correta. Devemos sim falar contra coleiras de choque, que são produtos que fazem promessas mentirosas sobre "treino automético" e "solução rápida"e realmente causam mal aos cães e aos donos desavisados, mas isso não inclui colocar esse tipo de produto e usuário no mesmo saco de coleiras eletrônicas, profissionais adestradores e pessoas instruídas.
A ideia do blog é justamente disponibilizar o máximo de informações possível, para você tomar a decisão que achar melhor pra você e seu cachorro. Espalhar desinformação desse jeito, como foi colocado nesse destaque que usei de exemplo, só cria intrigas desnecessárias na comunidade de amantes de cães de maneira desonesta: esse tipo de mito se aproveita do investimento emocional que as pessoas têm em seus pets e cria um sentimento de indignação e raiva que são direcionados para pessoas que podem apenas estar usando a melhor combinação de treino e equipamento para ela e seus animais ou pior: aliena quem está usando errado.
Não acredite em tudo que lê (mesmo aqui!) faça sua própria pesquisa, cheque os fatos, e tire suas próprias conclusões. Tente ver através da linguagem emocional, e busque artigos científicos, vídeos, publicações científicas e principalmente, estejam abertos a conversar. Só porque não concordamos com o equipamento que alguém usa, ou não usaríamos um método ou técnica pessoalmente, não significa que não temos a aprender um com o outro.
Você não precisa usar uma e-Collar para ser a favor da educação. Você não precisa ser a favor de e-Collars para apoiar os fatos. Vamos nos informar, e decidir ser contra o uso de uma ou outra ferramenta ou técnica, não porque temos falta de entendimento sobre seu funcionamento e uso, mas porque discordamos sobre filosofia de adestramento. Discordar não é um problema: espalhar ódio e preconceito baseado em mentiras sim. Eu mesma por ser adestradora LIMA acredito que muitos profissionais usam a e-collar de maneira completamente desnecessária e por vezes anti-ética.
Mas minha opinião e argumentos precisa ser baseada em fatos, não em mentiras inflamatórias. Eu acredito que meu conhecimento acadêmico e prático são suficientes para criar um diálogo sobre o uso da hierarquia humana e equipamentos e técnicas alternativas ao uso da e-collar, sem precisar me apoiar em mentiras.
Um adendo sobre vídeos que "demonstram" o funcionamento da e-collar: pessoas que são contra acharão facilmente vídeos de pessoas colapsando ao chão e se debatendo de dor com a e-collar no pescocço, gritando e xingando. Assim como não foi difícil encontrar o vídeo de uma criança que quase não esboça reação ao mesmo produto.
Os dois vídeos são verdadeiros.
Quando queremos uma grande reação aversiva de exemplo, basta colocar logo no nível 100. Se queremos desmonstrar a sensação de formigamento, usamos os níveis mais baixos. Assim como uma unidade TENs ajustada para o meu tratamento pode causar dores terríveis em ovocê, e o seu não fazer nem cócegas em uma outra pessoa... diferentes níveis da e-collar causarão sensações diferentes em cada pessoa e cão.
A coleira eletrônica pode ser usada de maneira inofensiva, até produtiva e efetiva, tanto quanto pode ser usada para castigar e causar dores horrívies. E isso apenas enfatiza o ponto que: a MANEIRA DE USAR é o que dita qual deles será.
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