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Teoria da“Dominância” Parte 1: Não só errada, mas prejudicial aos cães

  • Foto do escritor: Haroldo Fala
    Haroldo Fala
  • 12 de ago. de 2021
  • 5 min de leitura

Atualizado: 21 de set. de 2021

De onde vem esse conceito?

Os atuais especialistas em comportamento animal estão preocupados com o fato de que o modelo de “Dominância” continua sendo espalhado como verdade, sendo que essa falácia científica não só foi provada errada -a mais de duas décadas-, como também incentiva práticas de adestramento que são ativamente prejudiciais ao cão, e à sua relação com o ser humano.


É fácil ver por que os treinadores e os proprietários de cães gostam dos conceitos de “Submissão” e “Dominação” em relação aos cães domésticos. Esse modelo nos dá uma explicação muito atrativa pela sua simplicidade: nós e nossos cães somos todos parte do mesmo grupo social, por dominância nos colocamos no topo desse grupo.


De acordo com esse conceito, nós vivemos em uma “matilha” com nossos cães de estimação e ou eles nos dominam ou nós os dominamos. Estar no topo da matilha com dominância total faria de você o “alfa”, com toda a estima que isso lhe acarreta, e os cães sempre estarão lutando pela posição mais dominante, a menos que você “mostre quem manda”. É uma explicação bem legal. Simples, fácil de entender.


Porém, apesar de parecer legal, a teoria da “matilha” e da “dominação” dos cães domésticos é um mito, muito prejudicial. Esse tipo de desinformação impede que muitos donos realmente entendam seus cães, causando problemas irreparáveis para ambos o cão e pessoa.



Mas antes de analisarmos os malefícios e as questões éticas do uso desse conceito em adestramento canino, precisamos entender sua origem. Todo esse mito sobre o comportamento e a organização social dos cães domésticos veio do equívoco “cães são como lobos” que surgiu no final dos anos 60. Este mito foi gerado a partir da premissa de que se um cachorro é um canídeo, como o lobo, então logicamente ele deve se comportar de maneira idêntica.


A Etologia (o estudo do comportamento natural dos animais) é utilizada para descrever as relações entre os indivíduos, onde se observa como se dá a relação entre dois animais para se obter um recurso importante em uma situação competitiva. Com base nessas observações o cientista e pesquisador L. David Mech escreveu um livro sobre o comportamento observado de lobos e analisando como ocorre sua estrutura social com base em dominação. Na época não foi preciso muito para que fosse feita a associação entre lobos e cães.



Mas um fato que é muitas vezes ocultado ou esquecido (e que definitivamente foram ignorados na época) é que as observações que levaram a estas conclusões -de que a organização social dos lobos se baseia na luta pela dominação- foram tiradas de grupos artificiais de lobos mantidos em cativeiro; onde os indivíduos foram forçados a se relacionar com outros, que nunca haviam visto antes, indivíduos de famílias distintas, em um ambiente que na visão dos lobos, era hostil e não natural, onde eram incapazes de se afastar uns dos outros e dos agrupamentos sociais criados artificialmente pelos pesquisadores.



Ou seja, esses lobos não estavam se comportando de maneira natural, uma vez que não eram os grupos familiares encontrados no habitat natural da espécie (frase dita por Mech, em 1999 quando publicamente admitiu que sua pesquisa fora equivocada).


Esses lobos que foram pesquisados estavam se comportando de uma maneira agressiva e defensiva porque estavam sendo forçados a viver em uma situação completamente artificial. Mesmo assim, depois da publicação dessa pesquisa inicial, o conceito se popularizou rapidamente, e desse ponto em diante para o público em geral, era aceito como verdade que -por associação- os cães domésticos também se organizavam com a necessidade de dominar um ao outro.


“Dominância”, no entanto, é uma maneira muito simplista de descrever a interação entre mamíferos sociais e, mesmo na etologia, modelos muito mais complexos são agora usados para descrever grupos sociais, pois a comunidade científica percebeu que não era possível comparar o comportamento de competição individual com interações complexas que acontecem dentro de um grupo social estabelecido e estável.


Em 2003 o próprio L. David Mech em conjunto com outros cientistas provou que sua teoria anterior estava errada, publicando um novo livro em que revelava que na realidade os grupos de lobos são baseados em organizações familiares cooperativas, onde um par reprodutor tem filhotes e outros membros da família ajudam a criá-los (Mech e Boitani, 2003).


Em seu artigo “O que aconteceu com o termo Lobo Alfa?” Mech faz outro exame mais rigoroso dos lobos selvagens e revela que seu comportamento social estava centrado na unidade familiar, construída em torno da coesão e cooperação, não do conflito ou dominância como havia erroneamente concluído em suas primeiras pesquisas, ele reiterou que não há luta por dominância em tais grupos e não existe um status de “lobo alfa” alcançado pela força ou agressão (Mech 2008)



Ao mesmo tempo que Mech e a comunidade científica corrigiram suas falsas concepções anteriores sobre lobos, os estudos sobre o cão doméstico também foram adiante, e está bem estabelecido que o comportamento social do cão doméstico é diferente daquele do lobo.

O cão depois de se firmar como espécie vindo de um ancestral comum ao lobo a milhares de anos, se revelou uma variante especializada de canídeo, que evoluiu para um nicho ambiental recém-formado na época onde surgiu o cachorro: coletar o lixo doméstico dos primeiros seres humanos.


A suposição da “teoria da dominância” diz que por lobos e cães possuírem um ancestral comum, as duas espécies formam estruturas sociais semelhantes. No entanto, o cão mudou consideravelmente a partir de sua espécie ancestral desde a domesticação (Miklósi 2007), e observações de cães selvagens sugerem que sua estrutura social é completamente diferente daquela observada em lobos.


As adaptações evolutivas do cachorro removeram a necessidade de operar como um grupo fechado, e conseqüentemente, existe pouca colaboração na caça ou no cuidado da prole; mas é observada muito mais cooperação com estranhos, sejam eles outros cães e animais ou seres humanos. Embora eles se reúnam em grupos em torno de recursos, eles não formam bandos, alcateias ou matilhas do modo coeso que acontece nos núcleos familiares que os lobos ainda mantém.



Apesar de serem ambos caninos, sua diferença genética foi tão modificada pela procriação seletiva humana depois da domesticação ao longo de 15.000 anos, que não tem como suas estruturas sociais terem relação comparativa.


Uma vez que nem grupos naturais de lobos, nem grupos livres de cães selvagens, adotam a estrutura social hierárquica piramidal tradicionalmente atribuída a eles, a suposição de que o comportamento do cão doméstico é influenciado por um desejo de assumir tal estrutura é difícil de fundamentar.


O conceito de “dominação” em si nunca foi uma qualidade de um indivíduo, mas o produto de um relacionamento: eu não posso nascer presidente assim como eu não poderia nascer dominante, do mesmo modo que nenhum cachorro nasce com “personalidade dominante”. Dominação é o produto de uma relação, não uma característica pessoal.


Bom, mas se a teoria da dominação estava errada desde o início e foi provada errada inúmeras vezes, não só em relação aos lobos mas especialmente em relação aos cães domésticos, então, por que esse mito persiste, e mais importante, porque ela ainda é usada como base para práticas de adestramento por profissionais?


Na parte 2, falaremos mais sobre isso!



 
 
 

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© 2021 por Juliana Vianna e Silva AKA Ripley Riot  - Site atualizado em 07 de Julho 2024

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